O APÓSTOLO Paulo apresenta uma razão por que ele m continuava com tamanha coragem e firmeza imóveis. em meio a tantas labutas, sofrimentos e perigos, no serviço do Senhor, pelos quais seus inimigos, os falsos mestres entre os coríntios, às vezes o reprovavam por estar fora de si e impulsionado por um tipo de loucura. Na parte final do capítulo precedente, ele informa os coríntios cristãos que a razão por que agia assim, era que ele cria firmemente nas promessas que Jesus fizera aos seus servos fiéis de uma recompensa gloriosa e eterna, e sabia que estas aflições presentes eram leves e apenas momentâneas em comparação àquele mui excedente e eterno peso de glória. Neste capítulo, ele prossegue insistindo na razão de sua constância no sofrimento e exposição à morte na obra do ministério, até mesmo o estado mais feliz que ele esperava depois da morte. Este é o assunto do texto. A alma do cristão, quando deixa o corpo, vai para estar com Cristo. Isto ocorre nos seguintes aspectos:
I. A alma do cristão vai habitar com a natureza humana glorificada de Cristo no mesmo domicílio abençoado. Há um lugar, uma região particular da criação exterior, para onde Cristo foi e permanece. Este lugar é o céu dos céus, um lugar além de todos os céus visíveis. "Ora, isto — ele subiu — que é, senão que também, antes, tinha descido às partes mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas" (Ef 4.9,10). É o mesmo lugar que o apóstolo chama de terceiro céu: computando o céu aéreo como o primeiro céu, o céu estrelado como o segundo e o céu mais alto como o terceiro. Este é o domicílio dos anjos santos; eles são chamados "os anjos dos céus", uos anjos que estão no céu", "os anjos de Deus no céu". Está escrito que eles sempre vêem a face do "Pai que está no céu".
Em outra passagem, eles são representados a estar diante do trono de Deus ou rodeando seu trono no céu, e de lá enviados, descendo com mensagens para este mundo. É para lá que a alma do santo é conduzida quando morre. Ela não fica num domicílio distinto do céu superior, um lugar de descanso, no qual é guardada até o dia do julgamento, o que uns chamam o Hades dos felizes; mas vai diretamente para céu. Esta é a casa dos santos, sendo a casa de seu Pai. Eles são "peregrinos e estrangeiros" na terra, e esta é a "outra e melhor pátria" para a qual estão viajando. Esta é a cidade à qual eles pertencem: "A nossa cidade [cidadania, como significa corretamente a palavra] está nos céus..." (Fp 3-20). Este é indubitavelmente o lugar ao qual o apóstolo se refere quando diz: "Nós estamos dispostos a abandonar nossa primeira casa, o corpo, e habitar na mesma casa, cidade ou país, em que Cristo habita", que é a significação adequada das palavras no original. O que pode ser esta casa, cidade ou país, senão a casa que é falada em outra passagem como a sua casa, a casa do seu Pai, a cidade e país aos quais eles adequadamente pertencem, para a qual eles estão viajando o tempo em que continuam neste mundo, e a casa, cidade e país, onde sabemos que está a natureza humana de Cristo. Este é o descanso dos santos, aqui seu coração está enquanto vivem na terra, e aqui está seu tesouro, a "herança incorruptível, incontaminável e que se não pode murchar, guardada nos céus para vós", que está designada para eles, reservada no céu (1 Pe 1.4). Eles nunca podem ter seu descanso adequado e pleno até que cheguem ali. Sem dúvida a alma, quando ausente do corpo (as Escrituras a representam num estado de descanso perfeito), chega ali.
Os dois santos, Enoque e Elias, que deixaram este mundo para, sem morrerem, entrarem no descanso em outro mundo, foram ao céu. Elias foi visto subindo ao céu, como Cristo; e há toda razão para pensarmos que foram para o mesmo lugar de descanso, para o qual os santos vão quando pela morte deixam o mundo. Moisés, quando morreu no topo do monte, subiu para o mesmo domicílio glorioso com Elias, que subiu sem morrer. Eles são companheiros em outro mundo, conforme apareceram juntos na transfiguração de Jesus. Eles estavam juntos naquele momento com Cristo no monte, quando houve uma representação da sua glória no céu. Não há que duvidar de que eles também estavam juntos com Ele mais tarde, quando com efeito Fie foi glorificado no céu. Lá, incontestavelmente, eslava a alma de Estêvão, que subiu quando ele expirou. As circunstâncias de sua morte demonstram este fato, segundo o relato que temos. "Mas ele, estando cheio do Espírito Santo e fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus e Jesus, que estava à direita de Deus, e disse: Eis que vejo os céus abertos e o Filho do Homem [ou seja, Jesus em sua natureza humana], que está em pé à mão direita de Deus. Mas eles gritaram com grande voz. taparam os ouvidos e arremeteram unânimes contra ele. E, expulsando-o da cidade, o apedrejavam. [...] E apedrejaram a Estêvão, que em invocação dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito'' (At 7.55-59). Antes de sua morte, ele teve uma visão extraordinária da glória que o Salvador havia recebido no céu, não só para si próprio, mas para todos os seus seguidores fiéis, de modo que Estêvão se encorajasse com a esperança desta glória para alegremente entregar a vida por Ele. Por conseguinte, ele morre nessa esperança, dizendo: "Senhor Jesus, recebe o meu espírito''. Com estas palavras ele irrefutavelmente queria dizer: "Recebe o meu espírito, Senhor Jesus, para estar contigo nessa glória em que te vejo agora no céu à mão direita de Deus".
Para lá foi a alma do ladrão penitente na cruz. Cristo lhe disse: "Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso" (Lc 23.43). O paraíso é o terceiro céu mencionado em 2 Coríntios 12.2-4. O que no versículo 2 é chamado o terceiro céu, no versículo 4 é chamado paraíso. As almas dos apóstolos e profetas estão no céu, como está claro pelas palavras: "Alegrate sobre ela, ó céu, e vós, santos apóstolos e profetas" (Ap 18.20). A Igreja de Deus é de vez em quando diferenciada nas Escrituras com estas duas partes: a parte que está no céu e a que está na terra — "Jesus Cristo, do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome" (Ef 3-14,15). "E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus" (Cl 1.20). Que "coisas que estão nos céus" são essas pelas quais a paz foi feita mediante o sangue da cruz de Cristo, e que por Ele reconciliou a Deus, senão os santos nos céus? Do mesmo modo lemos sobre Deus "tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra" (Ef 1.10). Os "espíritos dos justos aperfeiçoados" estão na mesma "cidade do Deus vivo" com os "muitos milhares de anjos" e "Jesus, o Mediador de uma nova aliança", como é evidente. A Igreja de Deus é chamada na Escritura pelo nome de Jerusalém, e o apóstolo fala da Jerusalém "que é de cima" ou 'que está nos céus" como a mãe de todos nós; mas se nenhuma parte da Igreja está no céu, ou ninguém, senão Enoque e Elias, então não é provável que a Igreja fosse chamada a Jerusalém que está no céu.
II. A alma do cristão vai habitar à vista imediata, plena e constante de Cristo. Quando estamos ausentes de nossos queridos amigos, eles nos estão fora de vista, mas quando estamos com eles, temos a oportunidade e satisfação de vê-los. Enquanto os santos estão no corpo e ausentes do Senhor, sob vários aspectos Ele está fora de nossa vista. "o qual, não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso" (1 Pe 1.8). Eles têm neste mundo uma visão espiritual de Cristo, mas vêem "por espelho em enigma1' e com grandes interrupções; mas no céu eles o vêem "face a face". São bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus. A visão beatífica que eles têm de Deus está em Cristo, que é o brilho ou fulgência da glória de Deus, pela qual sua glória brilha no céu, à vista dos santos e anjos lá como também aqui na terra. Este é o Sol da Justiça, que não só é a luz deste mundo, mas também o sol que ilumina a Jerusalém celestial, por cujos raios luminosos a glória de Deus brilha, para a iluminação e felicidade de todos os habitantes gloriosos. "A glória de Deus a tem alumiado, e o Cordeiro é a sua lâmpada" (Ap 21.23)- Ninguém vê Deus Pai imediatamente. Ele é o Rei eterno, imortal, invisível. Cristo é a imagem desse Deus invisível pela qual Ele é visto por todas as criaturas eleitas. O Filho unigênito que está no seio do Pai, Ele o declarou e o manifestou.
Ninguém jamais viu o Pai, somente o Filho; e ninguém mais vê o Pai de outro modo senão pela revelação que o Filho faz dEle. No céu, os espíritos dos justos tornados perfeitos o vêem como Ele é. Eles vêem a sua glória. Eles vêem a glória de sua natureza divina, que consiste em toda a glória da deidade, a beleza de todas as suas perfeições; sua grande majestade e poder Todo-poderoso; sua sabedoria, santidade e graça infinitas. Eles vêem a beleza de sua natureza humana glorificada e a glória que o Pai lhe deu, como Deus-Homem e Mediador. Para este fim, Jesus desejou que os santos estivessem com Ele, para que vissem sua glória. Quando a alma do santo deixa o corpo para ir estar com Cristo, ela vê a glória da obra de Redenção que "os anjos desejam bem atentar". Os santos no céu têm a visão mais clara da profundidade insondável da sabedoria e conhecimento de Deus e das demonstrações mais brilhantes da pureza e santidade de Deus que aparecem nessa obra. Eles vêem de uma maneira muito mais clara que os santos aqui "qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento" (Ef 3-18,19). Assim como eles vêem as riquezas e glória indizíveis da graça de Deus, eles entendem claramente o amor eterno e imensurável de Cristo por eles em particular. Em resumo, eles vêem tudo em Cristo, o que tende a acender e satisfazer o amor da maneira mais clara e gloriosa, sem escuridão ou ilusão, sem impedimento ou interrupção. Agora os santos, enquanto no corpo, vêem um pouco da glória e amor de Cristo; como nós, no alvorecer da manhã, vemos um pouco da luz refletida do sol misturada com a escuridão. Mas quando separados do corpo, eles vêem o Redentor glorioso e amoroso, assim como vemos o sol quando está acima do horizonte, pelos seus raios diretos num hemisfério claro e com dia perfeito.
III. A alma do cristão é levada a uma conformidade perfeita com Cristo e união com Ele. Sua conformidade espiritual começou enquanto a alma estava no corpo. Aqui. "refletindo, como um espelho, a glória do Senhor, [ela é transformada] de glória em glória, na mesma imagem, como pelo Espírito Santo do Senhor" (2 Co 3-18). Mas quando a alma do cristão vai vê-lo como Ele é no céu, então torna-se como Ele em outro modo. Essa visão perfeita aniquilará todos os restos da deformidade e dessemelhança pecadora, assim como toda a escuridão é aniquilada diante do pleno resplendor da luz meridiana do sol. É impossível que o menor grau de obscuridade permaneça diante de tal luz; assim, é impossível que o menor grau de pecado e deformidade espiritual permaneça diante de tamanha visão da beleza espiritual e glória de Cristo, como a que os santos desfrutam no céu. Quando vêem o Sol da Justiça sem nuvens, eles mesmos brilham como o sol e serão como sóis sem mancha. Então Cristo apresenta os santos para si mesmo em beleza gloriosa, 'sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível" (Ef 5.27), e tendo santidade sem mancha. Então a união deles com Cristo é aperfeiçoada. Esse processo também é iniciado neste mundo. A união relativa é iniciada e aperfeiçoada imediatamente quando a alma aceita Jesus pela fé. A verdadeira união, que consiste na união do coração e do afeto, é iniciada neste mundo e aperfeiçoada no seguinte.
A união do coração do crente com Cristo é iniciada quando o coração é atraído a Cristo pela descoberta primeira de sua excelência divina na conversão. Conseqüente a isto, é estabelecido uma união vital com Cristo por meio da qual o crente se torna um ramo vivo da videira verdadeira, vivendo pela comunicação da seiva e líquido vital do tronco e da raiz; um membro do Corpo místico de Cristo, que vive pela comunicação das influências vitais c espirituais da cabeça e pela participação da própria vida de Cristo. Mas, enquanto os santos estão no corpo, há grande distância remanescente entre Cristo e eles. A união vital é muito imperfeita e, assim, é a comunicação da vida espiritual e da influência vital. Há muito entre Cristo e os crentes que os mantêm separados, muito pecado residente; muita tentação; um corpo de molde pesado e delicado; e um mundo de objetos carnais para manter afastada a alma de Cristo e dificultar uma coalescência perfeita. Mas quando a alma deixa o corpo, todos estes impedimentos são removidos. Todo muro de separação é derrubado, todo impedimento é retirado do caminho e toda a distância acaba; o coração é completa e perfeitamente atraído e firme e eternamente unido a Cristo mediante uma visão perfeita da sua glória. A união vital é levada à perfeição. A alma vive perfeitamente em Cristo, sendo perfeitamente cheia com o seu Espírito e animada por sua influência vital, vivendo como se fosse somente pela vida de Cristo, sem qualquer lembrança da morte espiritual ou da vida carnal.
IV. A alma do cristão desfruta um intercurso e convivência gloriosas e imediatas com Cristo.
Enquanto estamos presentes com nossos amigos, temos oportunidade de convivência livre e imediata com eles, a qual não temos quando ausentes. Então, por causa do intercurso muito mais livre, perfeito e imediato com Cristo que os santos desfrutam quando ausentes do corpo, eles são representados adequadamente a estar presentes com Ele. O intercurso mais íntimo torna-se a relação na qual os santos firmam- se em Jesus Cristo, e sobretudo torna-se a reunião perfeita e gloriosa para a qual eles serão levados com Ele no céu. Eles não são meramente seus servos, mas seus amigos, irmãos e companheiros; sim, eles são o Cônjuge de Cristo. Eles são os esposados ou noivos de Cristo enquanto no corpo, mas quando vão para o céu, chega a hora do casamento com Ele, e o Rei os leva a seu palácio. Cristo, quando estava neste mundo, conversou da maneira mais amigável com os discípulos e permitiu que um deles se inclinasse no seu peito, mas eles terão a permissão muito mais completa e livre de conversar com Ele no céu.
Embora Cristo esteja ali num estado de exaltação gloriosa, reinando na majestade e glória do soberano Senhor e Deus do céu e da terra, dos anjos e homens, contudo esta condição não impedirá a intimidade e liberdade do intercurso, mas, antes, a promoverá. Ele foi exaltado, não só para si mesmo, mas para eles. Ele é o Cabeça sobre todas as coisas no interesse deles, para que eles sejam exaltados e glorificados; e, quando eles forem para o céu, onde Ele está, eles serão exaltados e glorificados com Ele e não serão mantidos a maior distância. Eles estarão indizivelmente mais aptos para esta situação, e Cristo estará em circunstâncias mais adequadas para lhes dar esta bem-aventurança. A visão da grande glória do seu Amigo e Redentor não vai lhes infundir temor respeitoso e mantê-los a certa distância, deixando-os com medo de se aproximarem; mas, pelo contrário, com mais vigor os atrairá, os animará e os enredará à liberdade santa. Eles saberão que Ele é o seu Redentor e Amigo amado, o mesmo que os amou com um amor agonizante e, pelo seu sangue, os remiu para Deus. 'Sou eu; não temais" (Mt 14.27). "Não temas; eu sou [...] o que vive; fui morto, mas eis aqui estou vivo" (Ap 1.17,18). A natureza desta glória de Cristo que eles verão será tamanha que os atrairá e os encorajará, pois eles não só verão a majestade e grandeza infinitas, mas também a graça, condescendência, gentileza e doçura infinitas, iguais à sua majestade. Ele aparece no céu como "o Leão da tribo de Judá" (Ap 5.5), e também como "o Cordeiro que está no meio do trono". Este Cordeiro será o pastor que "os apascentará e lhes servirá de guia para as fontes das águas da vida" (Ap 7.17).
A visão da majestade de Cristo não lhes causará terror, mas só servirá para exalçar o prazer e a surpresa. Quando Maria Madalena estava a ponto de abraçar Jesus, cheia de alegria por vê-lo vivo depois da crucificação, Jesus a proibiu que o fizesse naquele momento, porque Ele ainda não havia ascendido. "Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, voltando-se, disse-lhe: Raboni (que quer dizer Mestre)! Disse-lhe Jesus: Não me detenhas, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus" (João 20.16,17). Foi como se Ele tivesse dito: 'Não é este o tempo e o lugar para essa liberdade que o teu amor deseja de mim. Isso está designado para o céu, depois de minha ascensão. Eu vou para lá, e tu que és minha verdadeira discípula deve, assim como meus irmãos e companheiros, logo estar lá comigo na minha glória". Esse é o lugar designado para as expressões mais perfeitas de complacência e estima. Por conseguinte, os santos no céu encontram Jesus manifestando essas riquezas infinitas de amor para com eles, as quais Ele sentia desde a eternidade; e eles são capazes de expressar o amor que têm por Ele de uma maneira infinitamente melhor do que quando estavam no corpo. Assim, eles serão eternamente envolvidos pelos raios incalculavelmente luminosos, brandos e doces do amor divino, recebendo eternamente a luz e para sempre refletindo-a para a fonte.
V. A alma do cristão é recebida numa comunhão gloriosa com Cristo na sua bem-aventurança. Os santos no céu têm comunhão com Cristo na sua glória e bem aventurança no céu nos seguintes aspectos:
1. Os santos no céu participam com Ele das delícias inefáveis que Ele tem no céu no prazer do seu Pai. Quando Cristo ascendeu ao céu, Ele foi recebido a uma bem aventurança peculiar no prazer do Pai que, na paixão, escondeu-se da face de Jesus; este prazer tornou-se relação na qual Ele estava com o Pai; e era uma recompensa satisfatória pelo grande e difícil serviço que Ele executara na terra. Então Deus lhe mostrou o caminho da vida, e o trouxe à sua presença, onde há abundância de alegrias, para se assentar à sua mão direita, onde há prazeres eternamente, como está escrito acerca de Cristo (veja SI 16.11). Então o Pai o fez o mais abençoado para sempre; Ele o fez muitíssimo contente com o seu semblante. Os santos pela união com Cristo participam da relação filial dEle com o Pai e são herdeiros com Ele da felicidade no prazer do Pai, como parece estar insinuado pelo apóstolo e pelo salmista: "Eles se fartarão da gordura da tua casa, e os farás beber da corrente das tuas delícias; porque em ti está o manancial da vida; na tua luz veremos a luz" (SI 36.8,9). Os santos terão prazer participando com Cristo em seu prazer e verão luz na sua luz. Eles participarão com Cristo do mesmo rio de prazer, beberão da água da vida e do mesmo vinho novo no Reino do Pai. Esse vinho novo é especialmente aquela alegria e felicidade que Cristo e os verdadeiros discípulos participarão juntos na glória; que é a compra do sangue de Cristo ou a recompensa da sua obediência até a morte. Cristo, em sua ascensão ao céu, recebeu prazeres perpétuos à mão direita do Pai no prazer do amor do Pai como recompensa da sua obediência até a morte. Mas a mesma retidão é considerada tanto para a Cabeça quanto para os membros: e ambos terão comunhão na mesma recompensa, cada um de acordo com sua capacidade distinta. Os santos, no céu, participaram com Cristo do seu prazer com o Pai. Este fato manifesta a excelência transcendente da felicidade deles e a realidade de eles serem admitidos a um privilégio imensamente mais elevado em glória do que os anjos.
2. Os santos no céu participam com Cristo da glória daquele domínio ao qual o Pai o exaltou.
Os santos, quando ascendem ao céu e são levados a se sentarem junto com Cristo nas regiões celestiais, são exaltados para reinar com Ele. Por meio dEle são feitos reis e sacerdotes, e reinam com Ele e nEle sobre o mesmo Reino. Como o Pai lhe designou um Reino. Assim Ele o designou para eles. O Pai designou o Filho para reinar sobre seu próprio Reino, e o filho designa seus santos para reinar no seu. Os santos no céu estão com os anjos, os ministros do Rei, por quem Ele administra os assuntos do Reino e que estão subindo e descendo continuamente do céu à terra e são empregados dia-a-dia como espíritos ministradores a cada membro individual da Igreja; ao lado da ininterrupta subida de almas dos santos que morrem de todas as partes da Igreja militante. Então os santos têm vantagem muito maior de verem o estado do Reino de Cristo e as obras da nova criação, do que tinham quando estavam neste mundo, como alguém que sobe ao topo de uma alta montanha tem maior vantagem de ver a face da terra neste mundo, do que tinha quando estava num vale profundo ou numa floresta espessa, cercado por todos os lados com as coisas que impedem e limitam a visão.
Outrossim, os santos não vêem tudo como espectadores indiferentes ou desinteressados mais que o próprio Cristo é um espectador desinteressado. A felicidade dos santos no céu consiste, em grande parte, cm ver a glória de Deus que aparece na obra da Redenção, pois é principalmente por isso que Deus manifesta sua glória, a glória da sua sabedoria, santidade, graça e outras perfeições, aos santos e anjos, conforme é evidente por muitas escrituras. Por conseguinte, não há que duvidar que muito da felicidade deles consiste em ver o progresso desta obra em sua aplicação, sucesso e os passos pelos quais o poder e sabedoria infinitos os levam à sua meta. Eles estão com vantagens indescritivelmente maiores de desfrutarem o progresso desta obra do que nós, visto que eles estão em maiores vantagens de ver e entender os passos maravilhosos que a sabedoria divina dá em tudo o que é feito e o fim glorioso que Ele obtém; bem como a oposição que Satanás faz e como ele é confundido e vencido. Eles vêem melhor a conexão de um evento com outro e a ordem de todas as coisas que sucedem na Igreja, em épocas diferentes, que nos parecem confusas. Não apenas vêem estas coisas e regozijam-se nelas como visão gloriosa e bela, mas o fazem como pessoas interessadas, assim como Cristo está interessado, possuindo estas coisas em Cristo e reinando com Ele no seu Reino. O sucesso de Cristo na sua obra de redenção, em trazer as almas para si mesmo, aplicando os benefícios salvadores pelo seu Espírito Santo e o avanço do Reino de graça no mundo, é a recompensa prometida a Ele pelo Pai no concerto de redenção, pelo serviço duro e difícil que Ele executou quando na forma de servo. Mas os santos participarão com Ele da alegria desta recompensa, pois esta obediência, que é recompensada dessa forma, lhes é computada, visto que são seus membros. Assim Abraão desfruta estas coisas quando acontecem, as quais lhe foram há muito prometidas, vistas por ele de antemão e nas quais se regozijou. Ele desfrutará o cumprimento da promessa de que todas as famílias da terra serão abençoadas na sua semente, quando esta for completa. Todos os antigos patriarcas que morreram crendo nas promessas as coisas gloriosas a serem cumpridas neste mundo, que não tinham recebido as promessas, mas as vislumbravam, foram persuadidos por elas e as abraçaram, desfrutam-nas de fato quando são cumpridas. Davi contemplou e desfrutou o cumprimento dessa promessa em seu devido tempo, que lhe fora feita muitas centenas de anos antes e era toda a sua salvação e todo o seu desejo. Assim Daniel se levantará em sua sorte no fim dos dias apontados por sua própria profecia. Assim os santos de outrora que morreram na fé, sem terem recebido a promessa, são aperfeiçoados e têm a fé coroada pelas coisas melhores realizadas nestes últimos dias do Evangelho, que eles vêem e desfrutam em seus dias.
3. Os santos no céu têm comunhão com Cristo no serviço bemaventurado e eterno de glorificar o Pai. Quando Cristo instituiu a Ceia do Senhor e comeu e bebeu com os discípulos à mesa, dando-lhes nesse particular uma representação e penhor do futuro banquete com Ele e da bebida do novo vinho no Reino do Pai celeste, nesse momento Ele os conduziu em seus louvores a Deus no hino que cantaram. Não há que duvidar que da mesma forma Ele conduz os discípulos glorificados ao céu. Davi, como o amado salmista de Israel, conduziu a grande congregação do povo de Deus nos cânticos de louvor. Nisto, como em outras coisas inumeráveis, ele tipifica a Cristo, freqüentemente mencionado na Escritura pelo nome de Davi. Muitos dos salmos que Davi escreveu eram cânticos de louvor que ele, pelo espírito de profecia, proferiu em nome de Cristo, como Cabeça da Igreja e conduzindo os santos nos louvores. Cristo no céu conduz a assembléia gloriosa nos louvores a Deus como Moisés conduziu a congregação de Israel pelo mar Vermelho, o que está implícito nas palavras: "Eles cantam o cântico de Moisés e o cântico do Cordeiro". João nos fala que ouviu uma voz sair do trono dizendo: "Louvai o nosso Deus, vós, todos os seus servos, e vós que o temeis, tanto pequenos como grandes" (Ap 19.5). Quem proferiu esta voz que saiu do trono, senão "o Cordeiro que está no meio do trono" conclamando a assembléia gloriosa dos santos a louvar o seu Pai e Pai deles, o seu Deus e Deus deles? Qual seja a conseqüência desta voz, ficamos sabendo nas seguintes palavras: "E ouvi como que a voz de uma grande multidão, e como que a voz de muitas águas, e como que a voz de grandes trovões, que dizia: Aleluia! Pois já o Senhor, Deus Todo-poderoso, reina" (Ap 19.6).
O assunto que estamos considerando pode ser utilmente aplicado a modo de exortação. Que sejamos todos exortados seriamente a buscar esse grande privilegio do qual falamos, que quando ''[deixamos] este corpo, [vamos] habitar com o Senhor" (2 Co 5.8). Não podemos permanecer para sempre neste tabernáculo terrestre. Ele é muito frágil e logo se deteriorará e cairá, c está continuamente sujeito a ser vencido por inumeráveis meios. Nossa alma em breve tem de deixar o corpo e entrar no mundo eterno. Quão infinitamente grande será o privilégio e felicidade dos que, naquele momento, irão estar com Cristo na sua glória, da maneira como foi representada! O privilégio dos doze discípulos era grande por estarem constantemente com Cristo como sua família no estado de sua humilhação. O privilégio dos três discípulos era grande por estarem com Ele no monte da Transfiguração, onde lhes foi mostrado uma toenue semelhança da futura glória dEle no céu, como eles viram seguramente no atual estado fraco, frágil e pecador. Eles ficaram grandemente encantados com o que viram e desejosos de fazer tabernáculos para morar neles e não descer mais do monte. Também foi grande o privilégio de Moisés quando esteve com Cristo no monte Sinai e lhe pediu que mostrasse a sua glória, e ele o viu pelas costas quando Ele passou e o ouviu proclamar seu nome. Mas o privilégio de que falamos não é infinitamente maior? O privilégio de estarmos com Cristo no céu onde Ele se assenta no trono, como o Rei dos anjos e o Deus do universo, brilhando como o Sol daquele mundo de glória — para habitarmos na visão plena, constante e perpétua da sua beleza e brilho, conversarmos com Ele livre e intimamente e desfrutarmos seu amor inteiramente, como amigos e irmãos, compartilharmos com Ele no prazer e gozo infinitos que Ele tem no prazer do Pai, assentarmo-nos com Ele no trono, reinarmos com Ele na posse de todas as coisas, participarmos com Ele da glória da sua vitória sobre os inimigos e o progresso do seu Reino no mundo e unirmo-nos com Ele nos alegres cânticos de louvor ao seu Pai e nosso Pai, ao seu Deus e nosso Deus, para sempre e sempre. Não é este um privilégio digno de ser buscado?
Agora, como execução veemente desta exortação, eu tiraria lições proveitosas dessa dispensação aflitiva da providência santa de Deus, que é a ocasião de nossa reunião neste momento — a morte do eminente servo de Jesus Cristo, cujo enterro deve ser cuidado neste dia. juntamente com o que era observável nele, na vida e na morte. Nesta dispensação da providência, Deus nos faz lembrar da nossa mortalidade e nos avisa que o tempo está próximo, quando então estaremos "ausentes do corpo" e "devemos comparecer", como o apóstolo observa dois versículos mais à frente no texto: "Porque todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem ou mal" (2 Co 5.10). Nele, cuja morte somos chamados a considerar e tirar lições proveitosas, temos não só uma instância de mortalidade, mas também, como possuímos toda razão imaginável para concluir, uma instância de alguém que, estando ausente do corpo, está presente com o Senhor. Disto ficaremos convencidos se considerarmos a natureza da experiência na ocasião de sua conversão, a natureza e curso dos exercícios interiores a partir daquela data, sua conversação exterior e prática de vida, ou a estrutura e comportamento durante todo o longo tempo em que ele encarou a morte frente a frente.
Suas convicções de pecado que precedem suas primeiras consolações em Cristo, como consta num relato escrito que ele deixou dos exercícios e experiências interiores, eram sumamente profundas e completas. Suas dificuldades e tristezas que surgem de um senso de culpa e miséria eram muito grandes e continuamente longas, mas, não obstante, sãs e racionais, não consistindo em pavores instáveis, violentos e irresponsáveis e perturbações da mente; mas surgindo das mais sérias considerações e de uma iluminação clara da consciência para discernir e considerar o verdadeiro estado das coisas. A luz entrou em sua mente na conversão, e as influências e exercícios para os quais sua mente foi sujeita naquele momento mostram-se muito agradáveis à razão e ao Evangelho de Jesus Cristo. A mudança foi muito grande e notável, contudo sem a aparência de impressões fortes na imaginação, de vôos súbitos de afetos ou de emoções veementes da natureza animal. Isso foi assistido com visões justas da suprema glória do Ser divino, consistindo na dignidade e beleza infinitas das perfeições da sua natureza e da excelência transcendente do caminho de salvação por Cristo Jesus. Isto sucedeu cerca de oito anos atrás, quando ele tinha vinte e um anos de idade.
Deus santificou e formou para seu uso este vaso, que Ele designou fazer eminentemente um vaso de honra na sua casa e o qual fizera de grande capacidade, dotando-o de habilidades e dons naturais muito incomuns. Ele era instância singular de uma invenção pronta, eloqüência natural, expressão fluente, apreensão vivaz, discernimento rápido, memória forte, gênio penetrante, pensamento profundo e claro e julgamento perspicaz. Ele tinha um discernimento exato; sua compreensão era, se posso expressá-la, de um faro rápido, forte e distintivo; sua aprendizagem era muito considerável. Ele tinha grande gosto em aprender e se aplicava aos estudos de maneira tão íntima quando estava na faculdade, que muito lhe prejudicou a saúde c foi obrigado, por conta disso, durante algum tempo, a deixar a faculdade, desistir de seus estudos e voltar para casa. Ele era reputado alguém que excedia em aprendizagem naquela sociedade.
Ele tinha conhecimento extraordinário das pessoas, como também das coisas, e perspicácia incomum da natureza humana. Excedia muitos que já conheci no poder de comunicar os pensamentos e tinha talento peculiar de acomodar-se às capacidades, temperamentos e circunstâncias daqueles a quem instruía ou aconselhava. Ele tinha dons extraordinários para o púlpito. Nunca tive oportunidade de ouvi-lo pregar, mas muitas vezes o ouvi orar. Acho que sua maneira de se dirigir a Deus e de se expressar diante dEle era quase inimitável, fato que raramente vi igual. Ele se exprimia com propriedade e pertinência exatas em expressões significantes, fluentes e pungentes, com tamanha demonstração de sinceridade, reverência e solenidade, e tão grande distância de toda afetação, quanto a esquecer a presença da audiência e estar na presença imediata de um grande e santo Deus, que poucas vezes vi paralelo. Seu modo de pregar, sobre o qual muitas vezes ouvi bons juizes referirem-se, era não menos excelente, sendo claro, instrutivo, natural, vigoroso, comovente, penetrante e convincente. Ele repugnava o ruído afetado e a impetuosidade violenta no púlpito, e contudo tinha grande aversão de uma entrega tediosa e fria, quando o assunto requeria afeição e avidez. Suas experiências das influências santas do Espírito de Deus foram grandes não só primeiramente na conversão, mas também continuaram assim num curso permanente. Este fato evidencia-se num diário que ele mantinha de seus exercícios interiores desde o tempo em que se converteu até o momento em que ficou incapacitado pela queda de forças poucos dias antes de morrer. A mudança que ele estimava como sua conversão foi não só uma grande mudança de suas visões, afetos e estrutura de pensamento, mas, evidentemente, o começo dessa obra de Deus no seu coração, que Deus continuou fazendo de maneira muito maravilhosa desde aquele tempo até o dia em que morreu. Assim como seu aspecto interior mostrou-se ser do tipo certo e era muito notável quanto ao grau, seu comportamento e prática externas eram igualmente agradáveis. Em toda a sua trajetória, ele agiu como alguém que tinha vendido tudo por Cristo, dedicado-se completamente a Deus, feito a glória dEle o seu mais alto fim e estava determinado a gastar todo o tempo e força neste propósito. Ele era ativo na religião da maneira certa, não meramente ou principalmente em sua língua, para professá-la e falar dela, mas ativo na obra e matéria da religião. Ele não era um daqueles que procuram esquivar-se da cruz para alcançar o céu na indulgência da facilidade e indolência. São provavelmente sem paralelo hoje em dia nesta parte do mundo sua vida de labor e abnegação, os sacrifícios que fez e a prontidão e constância com que despendeu suas forças e todo o seu ser para promover a glória do Redentor. Muito disso pode ser percebido por aquele que lê seu jornal impresso, porem muito mais se aprendeu através de longas e estreitas relações com ele e examinando o diário desde sua morte, o qual ele de propósito escondeu no que publicou. Não menos extraordinário era sua constante tranqüilidade, paz, certeza e alegria em Deus, durante o longo tempo em que olhava a morte face a face sem a menor esperança de recuperação, continuando sem interrupção até os últimos momentos em que a enfermidade muito sensivelmente atacava dia a dia seus órgãos vitais e muitas vezes o levava ao estado no qual ele se considerava — e outros também — estar morrendo. Os pensamentos da aproximação da morte nunca pareciam ao menos desalentá-lo, mas antes o encorajavam e divertiam-lhe o humor. Quanto mais perto a morte chegava, mais desejoso ele parecia de morrer. Pouco tempo antes de morrer, ele disse que "a consideração do dia da morte e o Dia do Julgamento há muito tinha[lhe] sido peculiarmente doce". Ele parecia ter extraordinários exercícios de resignação à vontade de Deus. Certa vez, ele me contou que "tinha ansiado pelo derramamento do Espírito Santo de Deus e pelos tempos gloriosos da Igreja e esperado a sua proximidade; e desejaria viver para promover a religião nesta época, se essa tivesse sido a vontade de Deus". "Mas", disse ele, "estou propenso que as coisas sejam como são; nem por dez mil mundos eu não teria a escolha de fazer sozinho".
Com freqüência ele falava dos diferentes tipos de vontade de morrer, e mencionava como algo ignóbil e vil a vontade de morrer, por estar propenso a morrer só para se livrar da dor, ou ir para o céu a fim de receber honra e promoção. Seu desejo da morte parecia ser de um tipo totalmente diferente e para fins mais nobres. Quando foi tomado pela primeira vez com um dos últimos e mais fatais sintomas da doença, ele disse: "Agora o tempo glorioso está chegando! Almejei servir a Deus perfeitamente e Deus satisfará esse desejo". Uma vez ou outra na fase final de sua enfermidade, ele articulou estas expressões: "Meu céu é agradar a Deus, glorificá-lo, dar tudo a Ele e ser dedicado completamente à sua glória. Este é o céu que desejo, esta é a minha religião, esta é a minha felicidade e sempre foi, desde que supus ter a verdadeira religião. Todos os que são dessa religião me encontrarão no céu". "Eu não vou para o céu para ser promovido, mas para dar honra a Deus. É de pouca importância onde serei posicionado no céu, se tenho um assento alto ou baixo, mas vou amar, agradar e glorificar a Deus. Se eu tivesse mil almas, se elas valessem algo, eu as daria todas a Deus. Mas não tenho nada a oferecer quando tudo terminar". Depois que seu estado o deixou tão prostrado que já não tinha a menor esperança de recuperação, sua mente vislumbrou o futuro com zelosa preocupação pela prosperidade da Igreja de Deus na terra. É mais do que evidente que isto é proveniente de um amor puro e desinteressado de Cristo e um desejo de sua glória. A prosperidade de Sião era um tema no qual ele se demorava muito e do qual muito falava, e cada vez mais assim que a morte se aproximava dele. Quando estava perto do fim, ele me contou que nunca, em toda a vida, teve a mente induzida a desejos e orações sérias pelo florescimento do Reino de Cristo na terra, quanto desde que ficou extremamente prostrado em Boston. Ele parecia se perguntar por que os ministros e as pessoas não manifestavam mais a disposição de orar pelo desenvolvimento da religião por todo o mundo. Mas pouco antes de morrer, ele me contou quando entrei no quarto: "Meus pensamentos estavam no querido velho tema: a prosperidade da Igreja de Deus na terra. Enquanto eu acordava, fui levado a chorar pelo derramamento do Espírito de Deus e o progresso do Reino de Cristo, pelo qual o querido Redentor morreu e tanto sofreu. É sobretudo isso que me faz desejar muito a prosperidade da Igreja de Deus na terra".
Alguns dias antes de morrer, ele quis que cantássemos um salmo relacionado à prosperidade de Sião, que ele denotou ter engajado seus pensamentos e desejos acima de todas as coisas. A seu pedido, cantamos parte do Salmo 102. Quando terminamos, embora estivesse tão prostrado que mal podia falar, ele se esforçou e fez uma oração, muito audivelmente, na qual, além de pedir pelos presentes e pela própria congregação, orou solicitamente pelo avivamento e florescimento da religião no mundo. Sua congregação tem lugar especial em seu coração. Era freqüente ele falar dela e, quando o fazia. era com ternura peculiar, de forma que sua fala era interrompida e afogada em lágrimas. Assim, propus-me a representar algo do caráter e comportamento deste excelente servo de Cristo, cujo sepultamento deve ser cuidado agora. Embora o tenha feito muito imperfeitamente, contudo empreendi fazê-lo com fidelidade e como na presença e temor de Deus, sem lisonja, o que seguramente deve ser de nenhum valor aos ministros do Evangelho, quando falam "como mensageiros do Senhor dos Exércitos". Tal razão temos de satisfazer para que a pessoa de quem tenho falado, agora "ausente do corpo", está "presente com o Senhor", não apenas isso, mas também com ele está uma coroa de glória de brilho distinto. Quanto há na consideração de tal exemplo e de tão abençoado fim para encorajar os que ainda estamos vivos com a maior diligência e seriedade, a fim de que tiremos lições proveitosas do tempo de vida e também possamos ir estar com Cristo quando deixarmos este corpo! O tempo está chegando e logo virá, não sabemos quão próximo está, quando teremos de nos despedir eternamente de todas as coisas deste mundo para entrarmos num estado permanente e inalterável no mundo eterno. Quanto vale a pena laborarmos, sofrermos e negarmos a nós mesmos para guardarmos um bom fundamento de sustentação e provisão contra esse tempo! Quão preciosa é essa paz, quando ouvimos falar que vale a pena tais momentos! Quão escuro seria estarmos em tais circunstâncias, sob as aflições externas de uma estrutura consumada e dissolvente, e encarando a morte a cada dia, com corações imundos e pecados não perdoados, sob uma carga terrível de culpa e ira divina, tendo muita tristeza e raiva em nossa enfermidade, e nada para consolar e apoiar nossa mente, nada diante de nós senão um iminente comparecimento perante o tribunal de um Deus Todo-poderoso e infinitamente santo e irado, e uma eternidade para sofrermos sua ira sem piedade ou misericórdia! A pessoa de quem estamos falando tinha um grande senso desta realidade. Ele afirmou, não muito tempo antes de morrer: "Me é doce pensar na eternidade. Sua infinidade a torna doce. Mas, o que direi quanto à eternidade dos ímpios? Não posso mencionar, nem pensar! O pensamento é muito terrível!" Em outro momento, falando de um coração dedicado a Deus e sua glória, ele disse: "Quanto é importante ter tal estrutura de mente, tal coração como esse, quando vamos morrer! É isso que me dá paz agora".
Quanto há, em particular, nas coisas que foram observadas deste eminente ministro de Cristo para nos impelir — os que somos chamados para a mesma e grande obra do ministério do Evangelho — ao cuidado e esforços diligentes, a fim de que da mesma maneira sejamos fiéis em nosso trabalho, como também cheios do mesmo espírito, animados com a mesma chama pura e ardente do amor a Deus e tenhamos o mesmo interesse sério pela promoção do Reino e glória de nosso Senhor e Mestre e da prosperidade de Sião! Estes princípios o tornaram muitíssimo amado na vida e muito bem-aventurado no seu fim! Que as coisas que foram vistas e ouvidas sobre esta pessoa extraordinária — a santidade, consagração, trabalho duro e abnegação de vida; sua tão excepcional devoção de si e do seu tudo, no coração e na prática, para a glória de Deus; e a maravilhosa estrutura de pensamento manifestada de maneira tão firme sob a expectativa da morte e com dores e agonias que a acompanharam. Que isso nos encoraje a todos nós, ministros e povo, a um senso adequado da grandeza da obra que temos de fazer no mundo, da excelência e afabilidade da religião total na experiência e na prática, da bem-aventurança do fim daqueles cuja morte encerra tal vida e do valor infinito da recompensa eterna, quando "ausente do corpo e presente com o Senhor'; e efetivamente nos leve a empenhos constantes e eficazes que, à semelhança de tal vida santa, entremos afinal para tão bem aventurado fim! Amém.
Obs.: este sermão foi pregado por Edwards no funeral do afamado missionário aos índios, David Brainerd, que morreu na casa de Edwards, em Nonhampton, em 1747, e cujo diário, hoje um clássico missionário, foi publicado por Edwards. Este sermão fúnebre é declaração pujante da esperança do cristão concernente aos que já dormiram.
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